segunda-feira, 9 de março de 2015

Os Pequenos Vadios e os Últimos Baldios

Na primeira metade dos anos 70, o Pinhal Novo ainda tinha muitos espaços assim: terrenos baldios que depressa seriam tomados por prédios de habitação, comércio e serviços, numa cavalgada desenfreada rumo a um futuro de cidade ou, por enquanto, de vila com milhares de pessoas que transpiram, mal respiram e expiram sonhos como aquela roupa que deixa de servir por nos alambazarmos ao jantar.

Mas antes de crescermos eu e o Pinhal Novo tivemos uma infância feliz.
Feita de jogos de apanhada, escondidas, com bola, sem bola, nas obras, nas silvas, nos telhados, nos pátios, enfim, na rua.

A rua era onde o pequeno Johnny deixava a sua eterna zona de conforto e desafiava a timidez natural com a vontade de viver aventuras como as que via na televisão ou nos livros de banda desenhada.
Aventuras controladas parentalmente, pelo menos enquanto não era maior que aquele anão feio da Ilha da Fantasia.

Na foto, devo ter três, quatro anos e visto uma roupinha de circo, como se fosse o filho do Homem Bala, que os anos 70, já se sabe, não deixaram saudades em relação a figurinos kitsch devotos do Deus Exagero, divindade que poderia ser representada por um tipo de bigode, patilhas, farta cabeleira e calças à boca de sino.

Sónia e Miguel

Aquele exacto ponto que piso com os pequenos sapatinhos de fivela (ou pouco mais à frente) é hoje o local onde fica a casa da Sónia e do Inácio, que também já não é bem a casa deles, obrigados como outros a deixarem as suas zonas de conforto para viverem aventuras, mas daquelas que pouco vemos na televisão e nunca vimos na banda desenhada.
Ali fica hoje, também, o Millenium BCP, um dos bancos que já deu caldeirada em Portugal, o que é apropriado porque antes esteve ali um restaurante.

Ao fundo, para além de um senhor que leva o filho consigo, na bicicleta, vê-se o prédio onde, no 2º andar, fica a casa dos pais do Miguel, que foi também do Miguel e dos amigos, que ele não fechava a porta a ninguém.

Conta a lenda que era um jovem com dotes de Homem Aranha e que aproveitava aquela espécie de empena aos buracos ao lado da varanda, para saltar dali para o telhado da casa vizinha e depois descer por aqueles travessões na janela da casa do lado.
Ou então subia assim, quando se esquecia da chave.
Ou então ainda, agia assim... porque sim.

Seja como for, nesta altura da foto nem conhecia o Miguel, a Sónia, o Inácio ou mesmo o Nelson.
Uns ainda nem sequer tinham nascido, outros tinham acabado de nascer tal como o Pinhal Novo que, em matéria de construção ainda só gatinhava com sapatinhos de fivela.

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