terça-feira, 7 de março de 2017

Os Pequenos Grandes Impérios

Quando éramos putos não era assim tão importante quem tinha os pais mais ricos, o carro maior ou a casa com mais pinta de castelo, porque partilhávamos tudo.
Mas um dos itens que contavam, pelo menos para mim, era saber quem tinha a maior e melhor colecção de banda desenhada Disney.
Eram os pequenos grandes impérios.

Começando lá pela minha rua, paramos primeiro na casa do Quim Paulo (o que é feito deste?), cuja mãe trabalhava na padaria que é agora palco da berraria da Igreja Universal.
Pois o Quim Paulo tinha uma colecção mediana, talvez parecida com a minha, e num certo dia trocámos tudo e voltámos a trocar sem grandes perdas no processo.

O Nelson tinha uma colecção onde pontificavam algumas relíquias como o famoso "Pato Donald nº 1500", edição especial que tinha aquela fabulosa história "O Segredo do Castelo" - lembras-te, Nelson?
Parte da colecção do Nelson ficava na marquise dele,  que dava passagem para o pátio/garagens e isso, só por si, era fascinante na altura.

Colecções Invejadas

Havia ainda a colecção do Rui Pedro, do Zé Cordas, do Sertório (50% da Marvel) ou a do Carocha, mas há que relembrar três grandes acervos, verdadeiros pequenos grandes impérios, dois deles alvos de tentativas de assalto, mas, de facto, não tenho sangue frio para uma carreira de ladrão ao mais alto nível.

Uma dessas grandes colecções era a do Samuel.
Dezenas e dezenas de revistas que ficavam sozinhas, aparentemente vulneráveis à minha cobiça/doença, numa velha casa de alma e arcadas caramelas, ali por cima do que era o café Beira Gare.
O facto é que nunca consegui lá entrar.

Salto até Setúbal.
Os filhos do Sr. António, chefe da minha mãe na extinta Control Data, também guardavam no quarto um espólio interessante: centenas de revistas Disney, muitas delas das mais caras, para além de colecções encadernadas e tudo o mais.
O poder de compra era evidente, porque não falhavam uma edição que fosse, dos "fininhos" "Pato Donald", "Pateta" ou "Zé Carioca" aos "Disney Especiais".

Mas a mais interessantes das colecções era a do tio Beto.
Pela dimensão, qualidade, boa conservação e, sobretudo, pelo lugar onde ele a escondia, entre revistas mais adultas que iam do erótico aos motores, passando por outro tipo de banda desenhada que não apenas Disney.
E que lugar era esse?
Debaixo da cama (redonda?) num quarto meio escuro, meio psicadélico, com uma cortina que separava a divisão da cozinha, fazendo com que tudo parecesse digno de um filme com passagens secretas.
Tantas vezes rondei aquela porta, com vontade de ler aquilo tudo, antes de ser chamado para o almoço, ou antes de ir embora!

Felizmente existe algo chamado "Síndrome de Peter Pan".
Tantos anos depois resgatei parte desse fascínio pelos pequenos grandes impérios, comprando velhos exemplares em feirinhas e afins.
E hoje tenho mais de 300 revistas que, sinais dos tempos, ninguém cobiça.